Há um tipo peculiar de ignorância que vem com a inteligência. Não sei se alguém já nomeou o fenômeno, mas eu o chamaria de burrice culta. 
Quando se está em um processo de aprendizado é comum ter a sensação de portal aberto, quando um novo conhecimento vem acompanhado por um êxtase de compreensão além do enunciado aprendido. É comum a vaidade entrar em cena quando nos abrimos a um conhecimento e o extrapolamos com a imaginação travestida de genialidade rara. 
Exemplifico: quando jovem me deparei pela primeira vez com a antiga imagem que representa um átomo. Eu já havia visto imagens que representavam galáxias e sistemas solares, a comparação foi inevitável. 
Corpos menores orbitando um corpo maior, estes sistemas formam galáxias que compõem o universo. Somos feitos de átomos, bolinhas de elétrons orbitando um núcleo, exatamente como um sistema solar. Trilhões destes sistemas microcósmicos formam meu corpo. Puta merda, eu sou um universo! 
O jovem Gersinho achou-se um gênio, pensou ser o único a ter aquele “insight”. Era legítimo que pensasse isso, dada a sua idade e o tamanho do seu mundo na época. Gersinho então começou a extrapolar, ele já não precisava mais do livro com a figura do átomo. Gersinho era um iluminado a quem o conhecimento fluía naturalmente. 
O que fluía naturalmente ali, no entanto, era uma jovem vaidade se inflando. 
O modelo atômico das bolinhas em torno de uma maior, foi proposto por Rutherford, para compreensão inicial. O átomo tem forma mais complexa, com elétrons em nuvens de probabilidade ao redor do núcleo, e não em órbitas definidas como no modelo simplificado. 
E por falar em mecânica quântica, esta traz uma nova onda de extrapolações pelas burrices cultas. Sem falar que no caldo do cozimento cósmico é de se esperar que estruturas similares se formem pois estão sujeitas às mesmas forças. 
Mas na época o jovem Gersinho já estava criando sua própria cosmologia, sua filosofia e, por que não, sua seita. Usar o modelo sistema solar/átomo era muito bom, não poderia ser desperdiçado e logo vieram associações místicas, uma tendência a pensar na intencionalidade daquela “coincidência”, o fato de cada pessoa ser um universo em choque com outros…O germe de um coach-Gersinho estava em pleno desenvolvimento. 
Já pensou? Hoje eu seria um Marçal!! 
Minha sorte é que eu tive amigos com mais conhecimento técnico do que imaginação, pessoas mais cultas e curiosas, pessoas que não passavam pano para erros conceituais. Desconfiados, lógicos e provocadores, estes amigos e mestres explodiram as bases dos meus castelos. O Gersinho era obstinado, com raiva ia pesquisar só para esfregar na cara daqueles lógicos a sua genialidade natural. Com teorias vindas dos livros ele confirmaria suas teses. 
Ah, como doía estar errado. Ainda dói. 
Mas aprendi com um filósofo alemão ranzinza que a dor é positiva se a usarmos como impulso e aprendizado. O fenômeno da burrice culta aparece na mecânica quântica, na construção das pirâmides, nos Illuminatis, nas revisões históricas e em algumas centenas de pseudociências. Eu arriscaria dizer que o berçário das pseudociências e teorias conspiratórias é a vaidade de quem começou a se aculturar. 
Portanto, meus amigos, muito cuidado quando começarem a trilhar o caminho de algum conhecimento. Quando achamos que sabemos tudo, estamos prontos para ser enganados. Ao olhar para a estrada à frente usem os olhos da realidade em igual proporção aos olhos da imaginação. Faça da dúvida metódica sua companheira constante e nunca deixe uma curiosidade órfã. 
Quando vier aquele desejo irresistível de estar certo, espanque-o com pauladas lógicas. O conhecimento sólido é humilde porque sua solidez é relativa. O conhecimento honesto é amargo e exige um carpir constante dos inços vaidosos. 
O conhecimento é um ato de amor próprio, não um espetáculo.
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