
Há uma expressão que só o rosto dos adultos têm. Crianças são incapazes de reproduzi-la. Não se sabe quando esta expressão nasce, é bem provável que ela venha sendo esculpida, meticulosamente, pelo cinzel das vivências. Só a percebemos quando está devidamente sulcada, exposta na galeria das realidades evidentes.
É uma expressão de certezas e desesperanças. De sonhos quebrados, ou que ficaram distantes demais. Não sei bem se é na rugosidade da testa, ou na marca dos músculos da mandíbula tensionados que reside a evidência mais óbvia. Um olhar predador substituiu o espanto curioso da criança. A boca já não quer mais perguntar, nem sorrir. Quer ferir. E não é porque os dentes estão formados e fortes. É porque a palavra ficou afiada. Há nos adultos uma falta de meninice, que os artistas mantêm. Artistas não pararam de brincar, apesar do tempo e do curvar dos corpos, então ficam com caras de crianças com rugas.
Na falta de cataventos, bolas,carrinhos e pipas, os poetas brincam com as palavras e os pintores com as formas. A palavra é a matéria prima que os adultos têm sempre à mão. Poetas a usam para brincar, cientistas a usam para revelar, filósofos para perguntar, escritores para imaginar, outros a usam para ferir. Como uma faca, a palavra pode ser ferramenta ou arma, a intenção dá a função.
Acho que é a sobrancelha! aquele amontoado de pelos. Dependendo de como se curva e inclina, vai do triste ao curioso, do questionador ao raivoso. As sobrancelhas emolduram emoções. Mas não é só isso! Conheço rostos parados, de sobrancelhas adestradas. Uns são rostos poetas, outros não. Para entender esta expressão, não posso usar a lente do adulto, investigando rugas, pelos, olhares, e ficar dando-lhes notas em uma planilha. Esta expressão vem sendo talhada de dentro pra fora, e só o olhar do curioso tem o raio x necessário para ver sua gênese. Quem se acostuma não se reconhece na obra exposta.
Tenho uma desconfiança confiante, de que esta expressão nasce quando enfrentamos uma das primeiras mortes. Quando nos matam a curiosidade.
Tenho uma desconfiança confiante, de que esta expressão nasce quando enfrentamos uma das primeiras mortes. Quando nos matam a curiosidade.
Sem a curiosidade, restam-nos as certezas. Nada mais precisa ser descoberto, apenas vivido. Fecham-se as fronteiras e delimita-se o mundo que nos cabe. No dia do enterro da curiosidade, nosso mármore sofre um golpe triste da talhadeira. É comum encontrar os assassinos de curiosidades entre as pessoas que mais confiamos, na família e na escola. Nos acostumamos a ver sendo ostentadas com orgulho, lustrosas armaduras de certezas enquanto as dúvidas amargam nos calabouços. Curiosidades se alimentam de dúvidas. Temos as matado de fome.
Quando menino, ouvi o alerta: "Cuidado guri! A curiosidade matou o gato." Passei a admirar ainda mais estes felinos, que sabem dar valor às descobertas a ponto de pagá-las com a própria vida.
Thank you!